quinta-feira, 18 de abril de 2013

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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

UMA VISÃO CRÍTICA SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO DA POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO


 Segundo o anteprojeto do novo Código Penal Pátrio, a posse de substância entorpecente para consumo próprio deixará de ser crime, ou seja, o cidadão poderá trazer a droga consigo, seja lá que droga for (maconha, cocaína, crack, etc.), para seu consumo próprio, podendo até plantar, semear e colher, desde que seja também para o consumo próprio, ficando a aferição se a droga é ou não para o consumo próprio, a critério do juiz, que subjetivamente, com base na quantidade e natureza da droga, conduta do agente, local da apreensão etc., interpretará se há crime ou não.

O novo texto diz o seguinte:

Capítulo I
Dos crimes de drogas
Tráfico de drogas
Art. 212. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – prisão, de cinco a quinze anos e pagamento de quinhentos a mil e quinhentos dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

Exclusão do crime

§2º Não há crime se o agente:
I – adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal;
II – semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.
§3º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às circunstâncias sociais e pessoais do agente.
§4º Salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde.

Diminuição de pena

§5º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre associação ou organização criminosa de qualquer tipo.
Fabricação de maquinário

Art. 213. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena – prisão, de três a oito anos e pagamento de mil e duzentos a dois mil dias-multa

Financiamento do tráfico
Art. 214. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 212 e 213:
Pena – prisão, de oito a dezesseis anos e pagamento de mil e quinhentos a quatro mil dias-multa.

Aumento de pena
Art. 215. As penas previstas nos artigos 212 a 214 são aumentadas de um sexto a dois terços se:
I – a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II – o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III – a infração tiver como fim a comercialização da droga nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV – o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V – caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI – sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; ou
VII – o agente financiar ou custear a prática do crime, salvo na hipótese do art. 214.

Associação para o tráfico de drogas
Art. 216. Associarem-se três ou mais pessoas, de forma estável, para o fim específico de praticar qualquer dos crimes previstos nos artigos 212 a 214:
Pena – prisão, de dois a oito anos e pagamento de setecentos a mil e duzentos dias multa.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada.

Informante
Art. 217. Colaborar, como informante, à prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 212 a 213:
Pena – prisão, de dois a seis anos e pagamento de trezentos a setecentos dias-multa.

Prescrição culposa de drogas
Art. 218. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – prisão, de seis meses a dois anos anos e pagamento de cinquenta a duzentos dias-multa.
Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

Indução ao uso indevido de droga
Art. 219. Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena – prisão, de seis meses a dois anos e pagamento de cem a trezentos dias-multa.

Consumo compartilhado de droga
Art. 220. Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena – prisão, de seis meses a um ano e pagamento de e pagamento de setecentos a mil e quinhentos dias-multa.

Uso ostensivo de droga
Art. 221. Aquele que usar ostensivamente droga em locais públicos, nas imediações de escolas ou outros locais de concentração de crianças ou adolescentes, ou na presença destes, será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de cinco meses.
§ 2º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de dez meses.
§ 3º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 4º Para garantia do cumprimento das medidas educativas referidas no caput, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I – admoestação verbal;
II – multa.
§ 5º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Art. 222. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 75 deste Código, a natureza e a quantidade da substância ou do produto.

Isenção de pena
Art. 223. É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito proveniente de caso fortuito ou força maior de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido o crime praticado, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

Art. 224. As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 32 deste Código, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único. Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda.

Com a devida vênia ao legislador pátrio, acredito piamente que faltou uma análise das consequência funestas que a adoção da descriminalização trará para o País. O Sistema Único de Saúde é notoriamente falido e não consegue prestar atendimento digno ao cidadão para as doenças triviais, e agora, ao invés de o Estado buscar remédio, tratamento para o viciado, achou um caminho mais curto para a solução do problema, liberando a posse de substância entorpecente para consumo próprio, desde que ele não seja praticado de forma ostensiva. Ou seja, não poderão mais existir as “Cracolândias”, que chocam a sociedade civil e emporcalham as ruas com as cenas grotescas vistas a olho nu, mas usar em casa, em recinto fechado, entre quatro paredes e fora da vista da sociedade, isso poderá.

O legislador, como sempre, age de forma utópica, como se legislasse para um Brasil diferente do que conhecemos, pois estabelece no § 5º do art. 221, que: O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado”. Ora, sequer as internações para tratamento de doenças como câncer, pagamento de medicamentos de alto custo, etc., vem sendo cumpridas pelo Estado, mesmo com a intervenção do Poder Judiciário através de mandados de segurança destinados a garantir o acesso à saúde conforme previsto na Carta Magna, o que dirá da efetivação de tratamento ambulatorial para dependentes químicos.

Não pensaram que estarão criando uma geração a ser conhecida como os filhos da descriminalização, como o meio adequado para se noticiar a solução do consumo de drogas ilícitas no País, utilizando-se para isso do artifício que esconder o consumo, retirá-lo da via pública, da ostensividade, tornando-o aparentemente invisível.

Um sociólogo afirmou em rede nacional que a descriminalização é um avanço, porque resolve o problema da violência, do encarceramento, da corrupção. Em que País esse cidadão está? Com certeza não é o Brasil, onde o cidadão sequer tem consciência suficiente para escolher seus políticos, bastando para tanto uma análise daqueles que hoje nos representam, e agora se pretende entregar nas mãos desse mesmo cidadão o direito de decidir se usa ou não droga.

Senhores legisladores, é muito simples argumentar que drogas lícitas causam mais estrago na sociedade do que as ilícitas, como dizem uns e outros. Porém, se não se consegue solucionar o problema das drogas lícitas, qual o fundamento de se aumentar sua lista? Aumentaram-se os impostos sobre as bebidas alcoólicas e o cigarro, e nem assim o consumo foi reduzido. E a maconha, a cocaína, o crack, o ecxtase, etc., que sequer são tributados, como será feito o controle, a distribuição, a comercialização?

Esqueceram da necessidade da criação da NARCOBRÁS, empresa pública destinada ao plantio, fabrico e distribuição da droga produzida no País, com licença da ANVISA e certificação do INMETRO, acerca da qualidade do produto oferecido para consumo.

Pois aqui está outro problema não analisado. A droga vendida nos becos e bocas de fumo do País é notoriamente de péssima qualidade. Se a lei proíbe a venda, como se vai aferir a qualidade do que está sendo vendido? Eu posso ter para consumo próprio, mas de quem vou adquirir se a venda é proibida?

A incoerência do texto da lei é extrema. Não é crime adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal, ou ainda, semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal, porém é crime vender, expor à venda, oferecer, etc. Ora, para se ter acesso ao entorpecente ele terá que ser adquirido e alguém terá que fazer o papel do fornecedor. Ou será que se fará vista grossa para essa figura, continuando a se permitir a ampliação da teia que compõe o tráfico ilícito de entorpecentes?

Se a intenção é a liberação indiscriminada da droga ilícita, o Estado tem por obrigação gerir o sistema de fornecimento de entorpecente, seja através de empresa pública ou concessionária, para gerar tributo a ser destinado ao tratamento da clientela usuária, e exercer seu poder fiscalizador, e não permitir que o fornecimento continue na ilegalidade sem que consiga de forma eficaz combatê-lo.

A exemplo de outros Países onde houve a descriminalização da posse de entorpecente para consumo próprio, em especial da Maconha, como na Holanda, com a permissividade do comércio, porém, destinado ao consumo próprio e em pequena quantidade, o Estado não passou a gerir o sistema, desde o fornecimento da droga e seus apetrechos para o consumo, até a fiscalização de sua comercialização e produção, e na atualidade já se vê um resultado não tão glorioso como se esperava. Detalhe à parte, a Holanda possui um sistema de saúde pública que funciona, ao contrário do Brasil, e na atualidade das autoridades holandesas já se questionam acerca dos resultados positivos ou não da descriminalização.
A pesquisadora Vanda Felbab-Brown, professora da Universidade Georgetown e analista do Brookings Institution, falou ao Estado sobre vantagens e desvantagens da descriminalização da maconha e deu detalhes de como funciona a política holandesa antidrogas - A chave para o sucesso da Holanda, além da descriminalização, é um programa forte de prevenção, de tratamento e um sistema de saúde eficaz, que cobre quase toda a população. Se você não tiver essa base, não adianta descriminalizar que não terá o mesmo efeito. A política antidroga de um país deve ser moldada à sua realidade, muito mais do que importada de outro lugar”. (http://blogs.estadao.com.br/radar-global/a-politica-antidrogas-da-holanda-e-a-descriminalizacao-da-maconha/).

Como se vê, o primeiro passo para a descriminalizar é a criação de políticas públicas destinadas aos usuários, passando-se pela prevenção, controle de produção, comercialização, qualidade do produto e por fim, atendimento médico hospitalar adequado aos usuários de droga, o que ninguém pensou ao permitir o uso de substância entorpecente num País de tantas desigualdades e onde o Estado nunca cumpriu com seu papel constitucional na integralidade.

Recentemente, um Senador da República foi achincalhado por haver manifestado sua opinião acerca da legalização do jogo de azar, ao meu ver, muito menos ofensivo à sociedade do que a liberação do consumo de entorpecentes, e a imprensa praticamente o trucidou. Agora, num assunto tão emblemático, o legislador na surdina torna o jogo de azar crime e legaliza o consumo de drogas. Como diria Renato Russo: “Que País é esse?”

Eu ouso responder: É o País da falência do Estado em controlar e coibir o uso e comercialização de drogas, não conseguindo prestar uma assistência digna aos viciados e retirá-los de forma efetiva dos redutos de consumo, que se agrupam de modo sub-humano para fazer uso das mais diversas substâncias entorpecentes, afrontando a sociedade em geral com aquela visão de zumbis amontoados nas “cracolândias”, e o Sistema Único de Saúde não atende de forma digna sequer o cidadão não usuário de entorpecente, e o “Leviatã”, ao invés de se municiar de forças para tratar da doença que se instala no País, prefere lhe dar uma vacina curativa, descriminalizando seu uso fora do alcance dos olhos da sociedade, como quem acreditou no passado que a cura para a lepra estava na segregação dos doentes, internos e afastados do convívio social, sem efetivamente buscar a cura para o mal, que por trás das paredes irá se alastrar de forma devassadora.

É o mesmo pensamento que trouxe a ideia de que a cadeia era a solução para o criminoso, e atualmente vemos que mostrou-se como uma mera forma de se retirar o indivíduo do convívio social e do alcance dos olhos, para segregá-lo e esquecê-lo dentro de um sistema penitenciário que no papel deveria ressocializá-lo, recuperá-lo, mas que na prática consegue exatamente o contrário.

Discutiu-se muito a descriminalização da posse para consumo próprio da Maconha, porém, a proposta legislativa foi muito além e descompromissada com o destino do País, pautada somente na aparente solução de uma questão muito mais complexa do que a própria legislação.

De nada adiantará a descriminalização sem que antes se tenham políticas públicas de atendimento aos viciados, controle efetivo do consumo, quiçá o fornecimento da droga pelo próprio Estado ou sua fiscalização sobre a produção e distribuição. Sem isso, o tráfico continuará endêmico e criminoso, movimentando toda sorte de corrupção e tráfico de armas de fogo, e tudo que estão pensando em fazer será um mero batom para enfeitar a desgraça anunciada e fácil de ser visualizada, maquiando a realidade ao fecharmos os olhos para o descontrole do consumo de droga que ficará atrás das paredes.

O passo que o legislador está dando é muito largo para a atual conjuntura do Brasil. A descriminalização não é solução se não vier acompanhada de medidas eficazes de prevenção, tratamento e regulação de todo um sistema que garanta em primeiro lugar a saúde da população brasileira, para somente então se cogitar tamanha permissividade.

Luís Eduardo Barros Ferreira
Promotor de Justiça – titular da 72ª Promotoria de Justiça de Goiânia com atribuições no 1º Juizado Especial Criminal e 4º e 6º Juizados Especiais Cíveis de Goiânia




Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):


FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Uma visão crítica sobre a descriminalização da posse de substância entorpecente para consumo próprio. Rogata Venia, Goiânia, 03 agosto 2012 . Disponível em: <http://rogatavenia2.blogspot.com.br/2012/08/uma-visao-critica-sobre.html. Acesso em: __/__/__.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A montanha e o rato

     Pela primeira vez índios e engenheiros fumaram o cachimbo da paz no Xingu. Depois de 23 anos de escaramuças em torno da construção da hidrelétrica de Belo Monte, eles firmaram um acordo, nesta quarta-feira, 11. 

     Os representantes das cinco etnias que moram na área de influência direta daquela que pretende ser a segunda maior hidrelétrica do mundo (mas a maior inteiramente brasileira) aceitaram o prosseguimento das obras. Em troca, os construtores se comprometeram a cumprir o que o licenciamento ambiental já os obrigara a fazer, mas agora sob a fiscalização dos próprios índios.

     Eles também acompanharão um dos efeitos mais temidos do represamento do rio Xingu, às proximidades de Altamira, no Pará, já no seu curso médio: a falta de água a jusante, por onde se espalham algumas tribos. Elas sofreriam sede e fome em pelo menos três meses do ano, quando é maior a estiagem.

     Um dos compromissos assumidos no licenciamento ambiental pelo consórcio que venceu a concorrência pública de Belo Monte foi o de manter uma vazão mínima de 700 mil litros de água por segundo. É bem acima do nível registrado nos verões mais rigorosos, de 400 mil litros. Se for registrada vazão abaixo desse patamar. a Norte Energia pode ser punida e até perder a concessão — com ou sem a fiscalização indígena, formalizada agora em dois comitês gestores.

     Todas as reivindicações que os índios apregoaram ao ocupar o canteiro de obras Pimental foram atendidas, depois de dois dias de intensa negociação. Após a assinatura do termo de entendimento, eles se retiraram do local, ao qual retornaram os 2,5 mil operários que ali trabalhavam. A consolidação do acordo, que afasta o principal entrave para a continuidade dos serviços, vai depender da execução do que foi definido.

     O atraso, na verdade, será mínimo, quase imperceptível. E os pedidos dos índios poderão ser atendidos sem maior esforço porque já constavam do projeto. A rigor, a montanha pariu um rato. Muito barulho e confusão para pouco efeito real.

     A monumental hidrelétrica está sendo construída simultaneamente em cinco frentes. Todas trabalham em terreno seco, o que é uma raridade em grandes obras na Amazônia, possibilitando excepcional celeridade aos trabalhos, como em nenhum outro empreendimento similar na região.

     No local ocupado pelos índios surgirá o principal dos dois vertedouros do projeto, ao lado do qual será montada a casa de força complementar. A casa de força principal será erguida depois do segundo vertedouro, este não motorizado, 50 quilômetros rio abaixo em linha reta (140 kms pelo leito natural). É um desenho completamente original para os padrões das hidrelétricas. Nem todos atentaram para essa singularidade.

     O projeto rejeitado liminarmente pelos mesmos grupos indígenas em 1989 pouco tem a ver com o atual. Ele seguia a mesma concepção da hidrelétrica de Tucuruí e de outras grandes barragens. Tudo devia se concentrar na área que os índios ocuparam no dia 21 de junho. Se tivesse sido assim, a obra pararia por inteiro e os prejuízos teriam sido de grande monta.

     Para poder vencer (ou contornar) a resistência nacional ao aproveitamento hidrelétrico do vale do rio Xingu, que atravessa os territórios de Mato Grosso e Pará, numa das mais belas e complexas áreas do país, o governo cancelou cinco das seis barragens previstas nos inventários realizados a partir dos anos 1970. Restou Belo Monte.

     Ao invés de uma barragem, passaram a ser três. No ponto mais a montante já está em construção o vertedouro principal, que no início não seria motorizado. Na mais nova das versões (que parecem não ter fim), ele receberá oito turbinas do tipo bulbo.

     Elas são bem pequenas: sua capacidade é mais de 20 vezes menor do que a das gigantescas turbinas Francis, 18 das quais (e não mais 20, como estabelecia a penúltima versão do projeto) ficarão na casa de força principal.

     As turbinas bulbo funcionam com pouca água e com água em baixa queda (basta um desnível de 12 metros, contra 90 metros das turbinas convencionais). Não precisam de acumulação de água num reservatório. São — como dizem os engenheiros — a fio d'água, com baixíssimo impacto ambiental.

     Os 233 megawatts que essas oito máquinas irão gerar, a partir de 2015, representam 40% do que produz uma única das 18 turbinas convencionais da outra casa de força. No conjunto, estas é que respondem pelos 12 mil MW potenciais de Belo Monte. Energia que será transferida quase integralmente para o sul do Brasil. O consumo local podia ser atendido apenas com as máquinas do Pimental.

     Antes de chegarem a esse reservatório, as águas do Xingu (que podem atingir vazão de 19 milhões de litros por segundo) serão desviadas do seu curso natural. Por 50 quilômetros de extensão, elas descerão 90 metros através de canais artificiais de concreto, também já em construção, na maior obra desse tipo em todo mundo.
     Uma intrincada rede de canais conduzirá a água a um reservatório criado fora da calha do rio, que, passando por um novo vertedouro, chegará à tomada de água da casa de força principal. Suas máquinas precisam de 10 milhões de litros por segundo para serem capazes de gerar conforme sua capacidade instalada. 
     Essa plenitude só será atingida nos meses mais chuvosos do ano, que não serão mais do que sete ou oito. Por isso a energia firme, aquela disponível durante o ano todo, cai para 4,3 mil MW, bem abaixo do que seria a média econômica, de 5,5 mil MW. Ainda assim, os projetistas de Belo Monte garantem que ela será rentável e que, sozinha, irá assegurar 8% da demanda nacional, através de uma matriz renovável e limpa.

     Respondendo aos críticos e se ajustando aos novos padrões de exigência, o complexo hidrelétrico do Xingu representa, ao pé da letra, o que diz o seu título. É a obra mais complicada que já se concebeu e se realiza no Brasil no setor de energia. De tantas emendas e correções, adquiriu um perfil inteiramente novo, que pode ser visto como algo monstruoso (um Frankenstein hidrelétrico) ou primoroso, conforme o modo de vê-lo.

     É claro que essa vasta complexidade na abordagem de um rio não esteve posta na mesa de negociação com as lideranças indígenas. Mas estará de volta às planilhas da obra em acelerado andamento. De tal maneira que talvez só com o fato consumado se venha a saber ao certo que criatura surgiu da prancheta dos engenheiros.

Por Lúcio Flávio Pinto 'in' Cartas da Amazônia

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Na ditadura e na democracia


Desde a sua fundação, e durante os 40 anos seguintes, a federação das indústrias do Pará teve um único presidente: Gabriel Hermes Filho. Façanha maior do que a de Theobaldo de Nigris na Fiesp paulista. Hermes foi senador por muitos anos, deputado federal e dirigente de órgãos públicos. Um homem sagaz e com um senso agudo da oportunidade. Estava sempre ao lado do governo que estivesse no poder.

Mesmo com essas credenciais, já encanecido, o senador Hermes anunciou que comandaria o maior protesto contra a construção da hidrelétrica de Tucuruí, que era a maior obra em andamento no Brasil naquele inicio da década de 1980.

O dirigente das indústrias paraenses era inteiramente a favor da usina, por pensar assim e por ser do partido do governo. O problema é que a barragem mantinha bloqueado o rio Tocantins. Às vésperas de ser inaugurada, ninguém levava a sério a exigência feita desde 1934, pelo Código de Águas, a quem fechasse um rio: restabelecer-lhe a navegabilidade.

Tratava-se, no caso, do 25º maior rio do mundo. Depois de percorrer quase dois mil quilômetros, o Tocantins estava represado a menos de 400 quilômetros da sua foz. Precisava de um sistema de transposição para continuar a ser um rio navegável — e legalizado.

Para isso, precisava dispor de duas eclusas, de um canal de concreto entre elas com cinco quilômetros de extensão e obras de desobstrução no seu leito, rio acima. Obra para mais de um bilhão de reais, valor atualizado. A maior eclusa do mundo.

A empresa construtora da usina, a estatal Eletronorte, se livrou logo do que para ela era um abacaxi. Queria se dedicar apenas à geração de energia. O resto não lhe interessava (mesmo que "o resto" fosse uma bacia hidrográfica ocupando 8% do território brasileiro).

Em protesto, o senador Hermes iria se colocar abaixo de uma das comportas da represa e lá se imolaria quando elas fossem abertas para dar passagem às águas. No ano recorde de vazão, 1980, o Tocantins chegou a despejar naquele ponto 68,5 milhões de litros de água por segundo.

Ao lado do senador no momento em que ele anunciou o ato heroico, ofereci-lhe um guarda-chuva para enfrentar o desafio. Todos riram, inclusive o candidato a maior surfista de todos os tempos. Tratava-se, evidentemente, de pura bazófia. O senador não molhou o seu corpo, a barragem inundou três mil quilômetros quadrados a montante (criando o 2º maior lago artificial do país) e as eclusas só foram parcialmente concluídas mais de duas décadas depois, no final do governo Lula.

A Eletronorte fez o que quis durante a construção de Tucuruí, a quarta maior usina de energia do mundo. A legislação de proteção ambiental só começou a ser formada seis anos depois que o empreiteiro contratado instalou o seu canteiro de obras. Quando a primeira das 21 turbinas entrou em operação, em 1984, nada mais havia a fazer para impedir o efeito dos erros que foram cometidos e dos absurdos que se incorporaram ao projeto.

Não há mais dúvida que a corrupção influiu decisivamente na multiplicação dos custos da obra, ou que maior atenção e alguns cuidados teriam reduzido o impacto negativo da enorme usina. Mas Tucuruí está em pleno funcionamento há mais de uma década e meia. Responde por 7% de toda geração de energia consumida no Brasil, abaixo apenas de Itaipu. Se a corrupção consumiu 2 bilhões de dólares ou se até hoje os efeitos negativos se fazem sentir, isso já é coisa do passado, história.

O perfil dessa usina é típico de um regime ditatorial. Com todos os poderes concentrados nas suas mãos, Brasília fez o que quis desde o começo das obras, em 1975, até a inauguração festiva da hidrelétrica, em 1984, meses antes de terminar o último governo militar, o do general João Figueiredo. As outras grandes usinas que se seguiram estão sendo construídas em uma democracia, a mais duradoura de toda a história republicana.

Todas as pressões, mobilizações e ataques aos três grandes projetos em execução se explicam pelas características da democracia. Não surpreende que os canteiros de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, e de Belo Monte, no Xingu, no Pará, sejam palco de conflitos jamais registrados no âmbito de Tucuruí.

Quem acompanhou mais de perto as obras no Tocantins deve ter contemplado com certa perplexidade a imagem da mais recente investida a Belo Monte, dos índios e seus aliados, os "guerreiros ambientalistas", conforme eles se denominam.

Eles conseguiram abrir um canal no meio da barragem de terra, com algumas centenas de metros de extensão, já atravessada sobre o leito do Xingu. A intenção seria a de libertar o rio, apenas um pouco menos extenso do que o Tocantins, do aprisionamento que a engenharia humana lhe impôs.

O dano que os manifestantes causaram à ensecadeira é quase nenhum, embora, sob um governo forte, como o que viabilizou Tucuruí, nem isso teriam conseguido. Os muitos órgãos de informação teriam antecipado a iniciativa e os braços repressivos do regime, logo acionados, teriam acabado com o ato de protesto, se ele chegasse a existir, à base de violência.

Na democracia em que estamos, os manifestantes fizeram seu dreno na estrutura, que é a espinha dorsal da monumental obra de engenharia exigida por uma represa desse porte. Mas logo as enormes máquinas reporão tudo na condição original e a obra prosseguirá, sofrendo apenas uma ranhura no seu cronograma físico e financeiro. O simbolismo terá sido bem mais vivo e efetivo do que o do senador Gabriel Hermes Filho, no ocaso da ditadura.

Esse é o lado da democracia que favorece a cidadania. Mas ele tem outra face: exige conhecimento e responsabilidade das lideranças. Quando o ato deixa de ter o objetivo político evidente, na sangria do bloqueio de um rio belo e admirável como o Xingu, para se tornar quebra-quebra, por mais nobre que seja sua inspiração, o conteúdo político da manifestação é erodido, rui, desaparece.

Com isso se infiltra o risco de o ato descambar para o mero episódio policial, com danos a reparar e autorias a imputar. Ainda mais quando nem sempre os que executam a concepção sabem o que estão fazendo. E os que sabem nem sempre digam o que sabem. Na democracia, ganhar de qualquer maneira não é jogo válido, sejam quais forem os jogadores.
Texto de Lúcio Flávio Pinto

terça-feira, 26 de junho de 2012

Da representação na Lei dos Juizados Especiais Criminais


DA REPRESENTAÇÃO NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Sumário: 1. Breve Intróito – 2. Conceito – 3. Endereçamento da representação – 4. Da legitimidade para o oferecimento da representação – 5. Os reflexos da Lei n. 9.099/95 na representação – 5.1 Da retratabilidade da representação mesmo após o oferecimento da denúncia – 6. Conclusão – 7. Referências bibliográficas.


1 – BREVE INTRÓITO –

A jurisdição penal, como o poder-dever do Estado de solucionar o conflito de interesse entre o seu poder de punir e o direito de liberdade do indivíduo, conforme conceitua o festejado mestre italiano, Giovanni Leone (in Trattato di Diritto Processuale Penale, Editora Dott. Eugenio Jovene, Nápoli, Itália, 1961, Vol. I, págs. 275 e segs. – `poder de resolver com decisão motivada o conflito entre o direito punitivo do Estado e o direito de liberdade do imputado de conformidade com a norma penal´.), e hodiernamente, como também o poder-dever de dirimir os conflitos de interesse entre as partes, nos moldes da jurisdição civil, erigindo com a finalidade máxima de restabelecer a paz social, através da imposição de penalidade ao infrator da norma penal, em princípio com um caráter meramente retributivo e posteriormente com o intuito de ressocializar aquele que a infringe.

Mais do que isso, a manutenção da ordem e equilíbrio social é a finalidade da jurisdição.

Seu exercício passa pela ação penal, caminho hábil ao Estado, através do qual instaura a segunda fase da persecução, visando alcançar a verdade real e material, por intermédio de três modalidades de ação: a penal pública incondicionada, condicionada e privada.

Para aqueles delitos cujo bem juridicamente tutelado é de interesse direto do Estado, este se incumbe de manter sua proteção integralmente, sendo instituída a ação penal pública incondicionada, ou também conhecida como pura, que segundo lições do mestre René Ariel Dotti ( in Curso de Direito Penal, Parte Geral, Editora Forense, 1a. edição, 2001, págs.647), “é aquela que não depende de requisição ou representação do ofendido para ser proposta, decorrente portanto do poder-dever que o Estado detém para punir os transgressores da norma penal, onde a persecução se inicia automaticamente com a notícia crime, não dependendo de representação ou requerimento, bastando à autoridade policial o conhecimento do delito para dar início a persecução penal. Assim ocorre, v.g., em delitos contra a vida (art. 121 do Código Penal Brasileiro) , contra o patrimônio (art. 155 do Código Penal Brasileiro), etc, onde compete ao Ministério Público a titularidade da ação penal, sendo ele o dominus litis.

Ao tratar de bens tutelados cuja agressão atinja ao Estado secundariamente, pois em primeiro lugar ofende o indivíduo, havendo uma sobreposição do interesse deste ao do Estado, depende o início da persecução penal e posteriormente da ação penal, de, segundo Mirabete ( in Manual de Direito Penal, Parte Geral, 19a. edição, Editora Atlas, págs. 372) uma “espécie de pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação seja instaurada”.

Tal posicionamento é decorrente do fato de que por vezes a exposição causada com a ação penal (strepitus judicii – escândalo do processo) é mais gravosa para a vítima do que a inércia, como ocorre nos delitos contra a liberdade sexual, ficando a critério daquela a representação para dar ao Ministério Público a condição de procedibilidade necessária para o início da ação penal, e para autoridade policial a viabilidade para o início da persecução.

Por fim a ação penal privada tem por fito fazer a proteção dos bens personalíssimos do indivíduo (honra, moral, etc.), que somente a ele interessam, sendo portanto a legitimação ativa para sua interposição pertencente ao ofendido, excetuada a ação penal privada subsidiária, onde a omissão do Ministério Público autoriza o ofendido a propositura da ação penal, embora se tratando de delitos de ação penal pública condicionada e incondicionada, nos moldes do artigo 29 do Código de Processo Penal.
Em tais delitos o bem juridicamente tutelado interessa em primeiro lugar ao ofendido, que poderá ou não intentar a ação penal para buscar a imposição de uma pena ao infrator da norma penal. A ele cabe a total disponibilidade da ação penal.
A nós no momento interessa a apreciação dos delitos cuja ação penal é pública de natureza condicionada, os quais tem como condição sine qua non para o início da persecução, a representação e suas conseqüências no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

2 – CONCEITO –

Segundo Júlio Fabrini Mirabete (obra citada, pág. 372), a representação é um pedido-autorização, e citando Alberto Silva Franco, Luiz Carlos Betanho e Sebastião Oscar Feltrin (in Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 1979, Volume 1, pág. 48), diz ser “a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal no sentido de autorizar o Ministério Público a desencadear a persecução penal”.

Aníbal Bruno (in Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967, p. 239), conceitua a representação como sendo “não só a anuência do ofendido a que se proceda à perseguição do fato punível, é o ato expresso de vontade com que ele (sic) provoca essa perseguição”.

Leciona também René Ariel Dotti (obra citada, pág. 648), que “a representação é o ato processual pelo qual o ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo requer a instauração da ação penal nos crimes de ação pública condicionada ou impura”.

José Frederico Marques (in Curso de Direito Penal, volume III, editora Saraiva, 1956, pág. 352), diz ser a representação “uma delatio criminis postulatória: quem a formula, não só dá notícia de um crime, como pede também que se instaure a persecução penal”.

Portanto, é a representação uma condição de procedibilidade não somente para ação penal, como também para o início da persecução (inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência). Não poderá a autoridade policial iniciar a investigação sem a autorização, sem a manifestação expressa do ofendido no sentido de iniciar a perseguição, a busca da punição de seu ofensor.

É ato despido de formalismos legais, bastando a mera comunicação do fato à autoridade policial para demonstrar clara e inequivocamente o interesse em dar início à persecução penal.

3 – ENDEREÇAMENTO DA REPRESENTAÇÃO –

A representação poderá ser endereçada à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao juiz, por escrito ou oralmente, pelo ofendido ou seu representante legal, ou mesmo através de procurador com poderes especiais, e ainda feita por termo, devendo em todos os casos descrever a conduta supostamente criminosa, de forma que possa auxiliar na apuração do fato e identificação de sua autoria.

Se apresentada perante a autoridade policial, esta de imediato procederá a instauração do inquérito policial ou lavratura do termo circunstanciado de ocorrência, tomando as providências necessárias em cada caso.

Oferecida perante o magistrado, este a encaminhará à autoridade policial para que tome as devidas providências, conforme mencionado anteriormente. No mesmo sentido, quando formulada perante o representante do Ministério Público, este também a enviará a autoridade policial para as devidas providências, e excepcionalmente, diante da existência de elementos de prova suficientes, poderá oferecer a denúncia se for o caso, ou mesmo requerer a designação de audiência preliminar nos casos inerentes aos Juizados Especiais Criminais.

4 – DA LEGITIMIDADE PARA O OFERECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO –

Segundo a própria legislação, a titularidade para o oferecimento da representação é do ofendido ou seu representante legal.

Há portanto uma dupla titularidade para o oferecimento da representação, não restando dúvida quanto à legitimação do representante legal do ofendido quando este for menor de dezesseis anos.

A dúvida existe quando o ofendido é relativamente incapaz, ou seja, tem mais de 16 (dezesseis) e menos de 18 (dezoito) anos, quando a legitimidade é concorrente. Temos que considerar aqui, que a alteração da maioridade civil introduzida pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (artigo 4o.), trouxe reflexos diretos no Processo Penal, mais precisamente no artigo 34 da Lei Processual Penal Pátria, que obrigatoriamente teve derrogada as idades no que diz respeito à capacidade civil para a representação.

Seria o prazo único para ambos, ou haveriam dois prazos distintos, autônomos, um para cada um (ofendido e representante legal)?

Segundo lições de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (in Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2a. edição, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, pág. 776):

A jurisprudência dividiu-se em duas orientações. Como o código de processo penal refere-se ao exercício do direito pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 34) e faz depender o direito de queixa ou representação ao prévio conhecimento da autoria (art. 38), o prazo deve fluir individualmente, ou, por outras palavras, o prazo decadencial flui isoladamente para cada um, a contar das datas em que tiveram conhecimento do fato. Foi o que fixou a Súmula 594 do STF, coerentemente com a doutrina majoritária: ‘Os direitos de queixa e representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal’, e isso leva à conclusão, parece-nos, de que os prazos são contados separadamente para cada um deles, a contar da ciência da autoria do fato típico”.

Conclui-se, portanto, que os prazos são independentes, para o representante legal e para o ofendido, sempre contados a partir do momento em que se tem conhecimento de quem é o autor da infração penal, o que resulta no seguinte efeito prático quanto ao início do cômputo do prazo decadencial: sendo o ofendido maior de dezesseis e menor de dezoito anos, se toma conhecimento da autoria da infração penal, terá a partir de então seis meses para o oferecimento da representação em desfavor do autor do fato. Não exercida neste prazo, haverá a ocorrência da decadência e conseqüente extinção da punibilidade, porém, isso somente ocorrerá se também seu representante legal tomar conhecimento da autoria simultaneamente. Se o representante legal desconhece a autoria do delito, o prazo somente terá início a partir do momento em que for esta conhecida. Tal posicionamento é rechaçado por Damásio Evangelista de Jesus, em sua obra Direito Penal, volume I, editora Saraiva, 17a. edição, 1993, página 617, que entende ser o prazo uno, tanto para o ofendido, quanto para seu representante legal, pois segundo a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal passam a vigorar dois prazos decadenciais, o que não pode ser aceito.

Há ainda a situação prevista no artigo 33 do Código de Processo Penal, o qual, descreve que quando o “ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal. Na prática nos deparamos com tais situações principalmente nos casos de violência doméstica, quando um dos pais excede na correção do filho, causando-lhe lesões corporais leves, não havendo muitas vezes interesse pelo genitor não agressor no prosseguimento da persecução penal, fazendo-se necessária a nomeação de curador especial para atuar na defesa dos interesses do menor ou mentalmente enfermo, contando-se o prazo decadencial a partir da nomeação deste para oficiar nos autos, quando então tomará conhecimento de quem é o autor da infração penal.

5 – OS REFLEXOS DA LEI N. 9.099/95 NA REPRESENTAÇÃO –

Inúmeras dúvidas surgiram com o advento da Lei n. 9.099/95, principalmente no que se refere ao momento adequado para o oferecimento da representação, em função dos efeitos decorrentes da indicação desse momento para o cômputo do prazo decadencial.

Segundo o artigo 75 da Lei n. 9.099/95, não havendo composição dos danos civis na audiência preliminar, será dada a palavra ao ofendido para o oferecimento da representação, não importando o não oferecimento desta na audiência em decadência ou mesmo renúncia tácita a esse direito, que poderá ser exercido dentro do prazo do artigo 103 do Código Penal Brasileiro, ou seja, dentro do prazo de seis meses contados do dia em que se soube quem é o autor do crime.

A dúvida persiste entre alguns operadores do direito, quanto ao dies a quo do prazo decadencial, tendo por base o fato de que segundo o artigo 75 da Lei n. 9.099/95, a representação seria oferecida na audiência preliminar, o que seria uma disposição legal expressa em contrário ao que está dito no artigo 103 do Código Penal Brasileiro, e de conseqüência o prazo somente teria seu início na audiência preliminar.

Porém, não vejo esta como a melhor e mais adequada interpretação.

A representação como um ato informal, já é exercida perante a autoridade policial pelo ofendido, pois sem aquela, esta nada poderá fazer, haja vista depender do ato de vontade expresso para dar início à persecução penal, seja através da instauração do Inquérito Policial ou do Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Manifestada a vontade do ofendido perante a autoridade policial, subentende-se oferecida a representação, por não carecer esta de formalismo legal, bastando a intenção clara no sentido de ver apurada a infração penal que lhe vitimou.

Pois bem, se apresentada a representação perante a autoridade policial, a regra do artigo 75 da Lei n. 9.099/95 ensejaria, segundo o entendimento abraçado em nosso estudo, a ratificação na audiência preliminar da representação oferecida, para conferir ao Ministério Público a condição de procedibilidade para a apresentação de proposta de transação penal ou mesmo oferecimento de denúncia.

Não é portanto a audiência preliminar o dies a quo para o início do cômputo do prazo decadencial, prevalece a regra do artigo 103 do Código Penal Brasileiro, inalterada pela Lei n. 9.099/95, que somente conferiu ao ofendido um momento adequado para ratificar ou não a representação oferecida perante a autoridade policial, como um plus a oportunizar a conciliação em razão de ser esta a coluna vertebral dos Juizados, possibilitando naquele momento tanto a ratificação como a retratação da representação, ou mesmo o acordo entre autor do fato e o ofendido.

Não houve manifestação expressa no texto legal com o sentido de alterar as regras do prazo decadencial. A forma de cômputo deste prazo permanece nos mesmos moldes anteriormente estabelecidos.

O artigo 103 do Código Penal Brasileiro diz textualmente que “salvo manifestação expressa em contrário” o prazo decadencial será de seis meses contados da data em que se veio a saber quem é o autor do crime. Temos que considerar que a regra somente será modificada com expressa inclusão de condição destinada a tal fim, como ocorria no caso do crime de adultério (artigo 240 do Código Penal Brasileiro), que em seu § 2o faz havia a menção expressa da alteração do prazo decadencial, que era de um mês contado a partir do conhecimento do fato. Outro exemplo de manifestação expressa em contrário, é o contido no artigo 41, § 1o., da Lei n. 5.250, de 09 de dezembro de 1967, que estabelece o prazo decadencial de três meses contados a partir da data da transmissão ou publicação do fato gerador do crime de imprensa.

Em tais circunstâncias especiais e claramente excepcionais, houve alteração imposta pela Lei nas regras do prazo decadencial. Não podemos dizer o mesmo quanto ao que se interpreta através do artigo 75 da Lei n. 9.099/95, que não cria qualquer manifestação contrária às regras já estabelecidas para a decadência.

Na esteira desse entendimento, encontramos no Primeiro Encontro de Magistrados de Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, o Enunciado número 8, que assim dispõe: “É considerada válida a representação ofertada perante a autoridade policial, desde que ratificada em juízo” (http://www.tj.rs.gov.br). No mesmo sentido, vêm se posicionando as Turmas Julgadoras do Paraná, que firmaram o Enunciado número 25, com o seguinte teor: “O início do prazo para o exercício da representação começa a contar do dia do conhecimento da autoria do fato, observado o disposto no Código de Processo Penal ou na legislação específica. Qualquer manifestação da vítima que denote intenção de representação vale como tal para os fins do art. 88 da Lei 9.099/95”(http://www.tj.pr.gov.br/juizado/pg_Enunciados.htm).
Notamos pelos Enunciados transcritos, que o prazo decadencial flui a partir da data que se tomou conhecimento da autoria do delito, prevalecendo o entendimento de que a manifestação do ofendido ou de seu representante legal perante a autoridade policial, constitui sim representação, que poderá ser ou não ratificada em juízo.
Como efeito prático da interpretação citada, notamos que permanece resguardado para a vítima o direito de representação, e esta poderá dispor de seu direito em audiência preliminar, aguardar o transcurso do prazo decadencial enquanto reflete acerca da necessidade ou não da futura ação penal/transação penal, ou mesmo ratificar seu interesse no prosseguimento do feito. No primeiro caso, nos deparamos com a possibilidade do ofendido se retratar da representação (artigo 102 do Código Penal Brasileiro), resultando na extinção da punibilidade do autor do fato por força do art. 107, inciso VI, do Código Penal Brasileiro; no segundo caso, desde que da data que em o ofendido tomou conhecimento de quem era o autor da infração penal, até a audiência preliminar, não tenham transcorrido mais de seis meses, poderá ele aguardar o decurso deste prazo para a ratificação da representação, quando por vezes prefere refletir e esperar os novos acontecimentos, para sopesar a necessidade do prosseguimento do feito; no terceiro momento, havendo o ofendido ratificado a representação perante o magistrado, em audiência preliminar, estará legitimando o Ministério Público a apresentar proposta de transação penal ao autor do fato, desde que não esteja inserto nas exceções do art. 76, § 2o. da Lei n. 9.099/95, e no caso de não aceitação da proposta ou existência de algum impedimento para formulação desta, será oferecida a denúncia.

5.1 – DA RETRATABILIDADE DA REPRESENTAÇÃO MESMO APÓS O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
A regra imposta pelo artigo 102 do Código Penal Brasileiro e artigo 25 do Código de Processo Penal é de que após oferecida a denúncia a representação será irretratável.
Ocorre que, com o advento da Lei n. 9.099/95, a regra foi mitigada, sofrendo alteração crucial, pois segundo dispõe o artigo 79 da mencionada Lei, “no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos artigos 72, 73, 74 e 75 desta Lei”. Portanto, se não foi possível na audiência preliminar a tentativa de conciliação entre autor do fato e ofendido, ainda que já oferecida a denúncia e designada a audiência de instrução e julgamento, nesta, deverá ser restabelecida a possibilidade de conciliação, fazendo prevalecer o caráter consensual da Lei, onde poderá ocorrer a composição dos danos civis, que tem como conseqüência, por força do artigo 74, parágrafo único da mesma Lei, o condão de, com a homologação do acordo, acarretar a renúncia à representação anteriormente oferecida. Poderá ainda o ofendido, mesmo sem a reparação dos danos civis, entendendo não haver mais motivos para o início da ação penal, retratar a representação oferecida a título de acordo com o denunciado, o que após homologado acarretará os mesmos efeitos.
Passou a representação, da imutabilidade após o oferecimento da denúncia, a total e completa mutabilidade, tornando-se retratável a critério do ofendido, desde que não tenha sido possibilitada a tentativa de conciliação em audiência preliminar, por exemplo, pela ausência do autor do fato.
Também é aceitável a realização de proposta de transação penal na audiência de instrução e julgamento, por parte do Representante do Ministério Público, quando não possibilitada a sua formulação em audiência preliminar. O que não se pode aceitar, é a renovação de proposta já feita anteriormente e recusada pelo autor do fato.
Aquilatando os princípios norteadores dos Juizados Especiais Criminais, principalmente o conciliador/consensual dito no artigo 2o. da Lei n. 9.099/95, e buscando guarida na destinação final da jurisdição penal, que teve seu conceito ampliado também para a solução do conflito de interesses entre as partes, nos delitos de ação penal privada e ação penal pública condicionada, e não mais somente para se dirimir o conflito entre o Poder de punir do Estado e o direito de liberdade do indivíduo, poderíamos divagar pelo caminho filosófico e social, e com isso percebermos que ainda que oferecida a denúncia e tentada a conciliação na audiência preliminar, não havendo mais interesse da vítima no prosseguimento da ação penal que se instaura, em nome da paz social e da função conciliadora dos Juizados Especiais Criminais, valeria a reflexão de que a instauração da ação penal resultaria no acirramento dos ânimos entre autor do fato e ofendido que já se acalmaram, em nome do formalismo sem finalidade e da necessidade cega da imposição de pena sem qualquer cunho pedagógico.
Se foi restabelecida a paz social, se as partes chegaram a um consenso, não caberia mais ao Estado, que através da norma penal dita regras de conduta que se contrariadas resultam na prática de crime, intervir para imposição da sanção penal, se aquele que é considerado a vítima primária entende que o objeto da questão já foi solucionado.
Haveria assim a possibilidade da ausência de justa causa para a ação penal, possibilitando ao magistrado a rejeição da peça acusatória, por faltar interesse legítimo ao Estado para intervir naquela relação onde o desassossego foi sanado.
José Frederico Marques (obra citada, pág. 355) lecionava que de acordo com o princípio da oportunidade, o Ministério Público “tem a faculdade, e não o dever ou a obrigação jurídica de propor a ação penal, quando cometido um fato delituoso. Essa faculdade se exerce com base em estimativa discricionária da utilidade, sob o ponto de vista do interesse público, da promoção da ação penal”.
O festejado mestre, já em tempos pretéritos, vislumbrava que a oportunidade e utilidade da ação penal, se sobreporiam ao princípio da obrigatoriedade, permitindo ao representante do Ministério Público, dentro de uma discricionariedade regrada, deixar de dar início à ação penal, o que aos poucos vem sendo sedimentado na legislação, encontrando-se presente atualmente no artigo 37, inciso IV, da Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que permitiu ao Ministério Público deixar de dar início à ação penal desde que justificadamente.
Se já se faz presente tal permissivo na legislação, não haveria porque deixarmos de considerar a retratação da vítima após o oferecimento da denúncia, ainda que já tenha sido oportunizada a conciliação, tanto entre autor do fato e vítima, quanto com o Ministério Público, embasado na falta de utilidade para o início da ação penal, que torna-se inoportuna quando se vê restabelecida a ordem e a paz.
Cita ainda o mestre:
Na França, como diz Pierre Bouzat, vigora o ‘système de l’opportunité des poursuites’. O Ministério Público pode, ali, à sua escolha, usar ou não usar de ‘son droit de poursuite’. Cabe-lhe deixar de propor a ação, se isto lhe parecer oportuno e conforme ao interesse social. Ele possui, assim, acrescenta Bouzat, ‘um discreto direito de perdão’ que o direito francês ainda não quis outorgar sequer aos juízes.
O direito norueguês adotou o princípio da oportunidade com muita amplitude, pois o artigo 85, do Código de Processo Penal, admite que deixe de ser apresentada acusação quando entender-se que nenhum interesse público exija a punição do crime, especialmente quando muito tempo decorreu da prática do delito e existam circunstâncias especiais de atenuação”.
Todos os caminhos tendem a possibilitar a retratação da representação antes do recebimento da denúncia, quando ainda não há se falar em ação penal instaurada, havendo somente uma relação linear entre acusação e juiz.
Poderá o Ministério Público adotar diante da retratação e solicitação de arquivamento do procedimento, o caminho da manifestação pela rejeição da denúncia, embasada no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, por faltar o interesse de agir, combinado com o artigo 37, inciso IV, da Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, aplicado analogicamente aos delitos de menor potencial ofensivo, considerando que o delito de porte de tóxico foi alcançado por este conceito, ou ainda, simplesmente manifestar no sentido da possibilidade da retratação ainda que oferecida a denúncia, nos termos do artigo 79, combinado com o artigo 2o, todos da Lei n. 9.099/95, e ainda, com o artigo 107, inciso VI, do Código Penal Brasileiro, pugnando pela declaração da extinção da punibilidade.
Antes do recebimento da denúncia, e portanto da formação da relação processual triangular, sempre haverá tempo para disponibilidade da ação penal.
Por certo, a questão deverá ser amplamente discutida e debatida para chegarmos a um consenso quanto à verdadeira finalidade da ação penal, e nos desapegarmos de conceitos pretéritos que ainda insistem em rodear esse novo momento criado pela Lei n. 9.099/95.
6 – CONCLUSÃO –
De todo o apanhado acerca da representação, denota-se que por ser uma manifestação informal, que legitima a autoridade policial, o Ministério Público ou mesmo o juiz a tomar providência quanto ao pedido de início da persecução penal, não carece de maiores rigorismo para sua formulação, sendo legitimados ao seu oferecimento o ofendido ou seu representante legal.
Como somente através dela poderá a autoridade policial iniciar a persecução, seja através da instauração de inquérito policial ou lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, o momento adequado para seu oferecimento é o da comunicação do fato e autoria, tanto à autoridade policial quanto ao Ministério Público ou ao juiz, existindo um segundo momento previsto no artigo 75 da Lei n. 9.099/95, em que haverá ou não a ratificação da representação em audiência preliminar.
Não é a audiência preliminar o dies a quo do início do cômputo do prazo decadencial para a representação, e sim o momento do conhecimento da autoria do delito, nos moldes do artigo 103 do Código Penal Brasileiro, que não sofreu alteração e não houve na Lei n. 9.099/95 disposição expressa em contrário, como ocorria no delito do artigo 240 do Código Penal Brasileiro e ainda ocorre com do descrito no artigo 41, § 1o, da Lei n. 5.250, de 09 de dezembro de 1967 (Lei de Imprensa).

É permitida a retração da representação mesmo após o oferecimento da denúncia, por força do artigo 79 da Lei n. 9.099/95, que aceita a tentativa de conciliação e transação penal, mesmo após oferecida a peça acusatória inicial, quando não tenha sido possível na audiência preliminar.

Não somente retratável é a representação, como aceitável a possibilidade de conciliação entre autor do fato e vítima, ainda que já oferecida a denúncia, e diria mais, mesmo que esta tenha sido tentada em audiência preliminar, pois tal entendimento se amolda perfeitamente ao espaço de consenso criado pela nova legislação.

O que há de ser considerado é a impossibilidade de concessão de nova oportunidade de apresentação de proposta de transação penal, quando já ocorreu em audiência preliminar, ou mesmo sua renovação na audiência de instrução e julgamento, vez que isto prestigiaria a malandragem de alguns, que deixando de aceitar a transação na primeira audiência, ganhariam nova oportunidade e mais tempo para o cumprimento da medida, desprestigiando aquele que a aceitou na audiência preliminar.

Por certo ainda haverá muitas discussões entre os operadores do direito quanto aos argumentos aqui apresentados, o que cumpre o objetivo de implementar discussões em busca da dinâmica do direito.


7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -
BRUNO. Aníbal. Direito Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967.
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal, Parte Geral, editora Forense, 1a. edição, 2001.
LEONE, Giovanni. Trattato di Diritto Processuale Penale, Editora Dott. Eugenio Jovene, Nápoli, Itália, volume I, 1961.
MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal, volume III, editora Saraiva, 1956.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal, Parte Geral, 19a. edição, editora Atlas.
PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 2a. edição, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.

LUÍS EDUARDO BARROS FERREIRA
PROMOTOR DE JUSTIÇA
MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE  GOIÁS


 Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Da representação na Lei dos Juizados Especiais Criminais. Rogata Venia, Goiânia, 26 jun. 2012 . Disponível em: <http://rogatavenia2.blogspot.com.br/2012/06/da-representacao-na-lei-dos-juizados.html>. Acesso em: __/__/__.