Termo
Circunstanciado de Ocorrência – O Berço das Injustiças
Com a Lei nº 9.099/95 criando os Juizados Especiais Criminais e
estabelecendo o rito mais célere para as contravenções penais e
delitos apenados com o máximo de dois anos de pena privativa de
liberdade, possibilitou-se o afastamento da produção prévia de
provas que eram colhidas na fase inquisitorial, através do inquérito
policial, para se permitir que a mera e única palavra de uma pessoa,
que se intitula “vítima” de determinado fato criminoso, autorize
a lavratura de um Termo Circunstanciado de Ocorrência, obrigando a
quem foi imputada a conduta tida como criminosa a comparecer no
JECRIm para uma audiência preliminar.
Inicia-se a “via crucis”
do agora Autor do fato. Teve lavrado contra si um Termo
Circunstanciado de Ocorrência, onde um crime ou contravenção lhe
foi imputado. Tratando-se de delito de ação penal privada ou
pública condicionada, poderá em audiência preliminar barganhar com
quem lhe acusa um acordo para se ver livre de uma futura ação
penal, ainda que não tenha praticado qualquer conduta típica.
Vencida a possibilidade de acordo com a suposta vítima, não sendo
possível o acordo através da Transação Penal com o Ministério
Público, para os delitos de ação penal pública condicionada, terá
o agora autor do fato que se sujeitar a ser processado criminalmente,
pois não existem provas previamente produzidas para se permitir uma
análise do mérito da questão, evidenciando-se a existência ou não
de uma fato típico, antijurídico e culpável. O único meio para
tal análise é a produção de prova jurisdicionalizada, ou seja,
com o oferecimento de denúncia, oitiva de testemunhas, etc., para
somente então se apurar a verdade material do ocorrido.
Enquanto isso, se o dito autor do fato, agora denunciado, precisar
de uma certidão criminal, constará de seus antecedentes o processo
a que responde, pois recebida a denúncia já está ele processado
criminalmente, com todo o efeito maléfico que um processo penal é
capaz de produzir na vida de um até então inocente.
Pois bem. Se fosse um crime de maior potencial ofensivo, seria
precedido de inquérito policial que permitiria ao Ministério
Público aferir na formação de sua “opinio delicti” se ocorre
ou não um fato típico, antijurídico e culpável, para deflagrar a
ação penal ou requerer o arquivamento da investigação. O autor do
fato no crime de menor potencial ofensivo, ao contrário, tem que ser
processado com base mera e unicamente na palavra de uma pessoa, que
lhe atribui uma conduta supostamente criminosa, para conseguir ao
final da ação penal obter a sentença absolutória, tendo que se
sujeitar a todo o processo e desgaste que ele provoca, o que não
ocorreria se houve uma investigação preliminar.
Como não se falar em uma injustiça, quando se sabe que o Termo
Circunstanciado de Ocorrência virou instrumento de barganha e
manobra, exatamente por tais características, que lhe permitem
assegurar a semeadura da maior das atrocidades, a de se sujeitar a
pessoa ao processo , sem qualquer indício de autoria que não a
palavra de uma única e nem sempre confiável pessoa, que se intitula
vítima, e detém nas mãos o poder de definir o caminho do
procedimento, da vida de uma outra pessoa.
Aquele que comete crime mais grave é beneficiado com o procedimento
inquisitorial, e o que eventualmente se envolve em crime de menor
potencial ofensivo, padece diante da possibilidade de se ver
processado para somente então vislumbrar se houve ou não um crime.
Como dizia Franz Kafka em sua obra O Processo, o processo em si já
constitui uma pena, e diria mais, pena severa em razão dos seus
efeitos na vida, por exemplo de um estudante de direito que sonha em
fazer concurso público e se vê processado, tendo manchada sua
certidão criminal com a mácula do dito instrumento para busca de
verdade material.
A credibilidade que se confere ao denominado princípio da primeira
impressão, que permite àquele que mais rápido lavra o Termo
Circunstanciado de Ocorrência ter sua verdade redigida no seu
histórico, é uma flagrante ofensa à dignidade da pessoa humana, a
partir do momento em que se permite sem qualquer rubor da face, a
instauração de uma futura ação penal embasada até mesmo numa
mentira, despida de um mínimo de prova, tendo o processo como única
maneira de se chegar ao deslinde da questão criminal.
Se os indícios são a base, o sustentáculo para a formação da
“opinio delicti”, visando uma futura ação penal, não se pode
dizer que a palavra de uma pessoa é o suficiente para tanto, quando
o próprio Código de Processo Penal (art. 239 do Código de Processo
Penal) sustenta que ele é circunstância conhecida e provada, que
tendo relação com o fato em apuração, permita por indução se
concluir pela existência outra ou outras circunstâncias. Como se
atribuir à narrativa única e exclusiva de uma pessoa, impregnada se
sentimentalismo o poder indiciário para sustentar uma ação penal?
Bem assevera o ilustre colega do Ministério Público Goiano João
Porto Silvério Júnior, e autor da obra “Opinio Delicti” (1), “o
processo não nasce do delito, mas sim das suspeitas fundadas do
ilícito”.
Para a deflagração da ação penal há que existir um mínimo de
elementos como sustentáculo da denúncia, calcada em provas
testemunhais, declarações do ofendido, perícias, etc., sem o que,
a ação penal se torna uma aventura, uma nau sem rumo e sentido,
fundamentada num só pilar, a palavra de quem se diz vítima.
A Lei nº 9.099/95 não conceituou o que seria o Termo
Circunstanciado de Ocorrência, quais seus requisitos, seus elementos
de caráter obrigatório, deixando a critério da doutrina e
jurisprudência tal trabalho.
Uma excelente conceituação do que vem a ser o Termo
Circunstanciado de Ocorrência é dada por Fernando da Costa Tourinho
Neto e Joel Dias Figueira Júnior (2), na obra Juizados Especiais
Estaduais Cíveis e Criminais, em que lecionam que o Termo
Circunstanciado de Ocorrência “significa um termo com todas as
particularidades de como ocorreu o fato – a demonstração da
existência de um ilícito penal, de suas circunstâncias e sua
autoria – e o que foi feito na Delegacia, constando, assim, resumo
do interrogatório do autor do fato, dos depoimentos da vítima e das
testemunhas. Esses depoimentos não serão tomados por termo. Faz-se
um resumo, repita-se. Indagar-se-á , sim, do autor da infração, da
vítima e das testemunhas o que ocorreu e consignar-se-á
resumidamente no termo – no inquérito , os depoimentos são
prestados com informações detalhadas e cada depoimento constitui um
termo - , tomando-se a assinatura de todos; serão
relacionados os instrumentos do crime e os bens apreendidos, e
listados os exames periciais requisitados. O termo circunstanciado
deve conter todos os elementos que possibilitem, se for o caso, ao
Ministério Público oferecer a denúncia, ou ao querelante, a
queixa.”
Não se pode embasar uma denúncia na versão unilateral do fato,
sem um mínimo de prova que possibilite a formação da “opinio
delicti”.
Tal procedimento é anacrônico em face da evolução que o sistema
processual e investigatório caminha, primando essencialmente pelo
respeito à dignidade da pessoal humana, não podendo servir a
interesses dissociados de sua finalidade máxima de alcançar a
verdade material, servindo a anseios escusos, como o de vingança,
revanchismo, que um sistema de registro unilateral dos fatos
propicia.
É inadmissível na atualidade a forma que se tem dado ao Termo
Circunstanciado de Ocorrência, pautado sem um mínimo de lastro
fático probatório para uma futura ação penal, e mais, tendo por
pilastra a embasar a acusação a versão unilateral dos fatos,
semeando profundas injustiças ao se obrigar a instauração da ação
penal como modalidade de colheita de prova jurisdicionalizada, para
só então se tentar alcançar a verdade material, penalizando aquele
que está sujeito à ação penal a seus dissabores naturais, que
como dito alhures, representam uma pena em si mesma.
Há que se alcançar com a reflexão e a análise sistemática da
Lei nº 9.099/95 solução que minimize o desrespeito flagrante à
dignidade da pessoa humana, com a lavratura de Termos
Circunstanciados de Ocorrência infundados, para não se fazer do
processo penal mero instrumento de vindita e fonte de injustiças,
sendo papel preponderante do titular da ação penal a observância
do mínimo de substrato probatório, que não a mera unilateralidade
da narrativa dos fatos, como fonte de formação da “opinio
delicti”.
1. Silvério Júnior, João Porto. Opinio Delicti, editora Juruá,
Curitiba, 2004, p. 24
2 . Tourinho Neto, Fernando da Costa - Juizados Especiais Estaduais
Cíveis e Criminais: comentários à Lei nº 9.099/95 – Fernando da
Costa Tourinho Neto. Joel Dias Figueira Júnior. 5ª edição, São
Paulo, editora RT, 2007
LUÍS
EDUARDO BARROS FERREIRA
PROMOTOR
DE JUSTIÇA
MEMBRO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Termo
Circunstanciado de Ocorrência – O Berço das Injustiças.
Rogata Venia, Goiânia, 26 jun. 2012 . Disponível em:
<http://rogatavenia2.blogspot.com.br/2012/06/termo-circunstanciado-de-ocorrencia-o.html>. Acesso em: __/__/__.
Eu já tive um TCO contra minha pessoa. For porque briguei com minha ex-mulher e ela me acusou de agressão física. Isso era uma mentira descarada e eu tinha testemunhas, mas o delegado não quis nem saber e foi logo me mandando assinar o termo. Eu concordo com o autor porque é muito injusto isso, o que vale é a palavra de quem chega primeiro na delegacia e o outro não tem como se defender. Só na frente do juiz é que deixaram eu contar a minha versão.
ResponderExcluirPor que é que o autor, como promotor de justiça, permite que os TCO's em que ele atua continuem a ser assim? Não seria útil uma campanha de conscientização lá nas delegacias de polícia?
ResponderExcluirÉ isso mesmo. Meu pai foi vítima de um homem que correu antes dele na delegacia e fez um TCO.
ResponderExcluirQuem chega primeiro bebe água limpa? É irresponsável essa máxima no Direito.
ResponderExcluirExcelente texto.
Será que no novo projeto do Código Penal já mudaram isso?
ResponderExcluirA conscientizacao seria da propria sociedade, em que so levaria ate a autoridade policial a noticia do crime que realmente lhe causou algum mal, algum fato atipico e antijuridico.. Infelizmente nao eh o que acontece no dia a dia, em que pessoas, em uma calorosa discussao, insultam umas as outras e correm ate a Delegacia para registrar o tao simples TCO. Nao buscam resolver seus proprios problemas uns com os outros, e sim processar, querendo condenacao e consequentemente a "mancha" na certidao alheia.... Usam o judiciario como arma pra prejudicar o proximo!!!
ResponderExcluirParabens, Dr. Luis Eduardo, por relatar tal experiencia...
ANA PAULA CAIXETA
Eu não concordo com você, Ana Paula, que prega a volta da vingança pessoal ou do olho por olho. Todos que se sentem lesados devem, sim, procurar as vias judiciais para resolver suas pendências na vida.
ExcluirCamila, se vc trabalhasse no judiciário entenderia um pouco mais o que o colega acima tentou dizer, o colega não pegou a volta da vingança e sim disse que muitos fazem isso e posso dizer sim que é verdade, a pessoa chega e fala algo que não tem apuração e se é a palavra de um contra o outro e vc encontra uma promotoria disposta a arquivar por falta de provas beleza, mas na maioria das vezes é ofertada a transação penal e se quiser a pessoa que aceite, senão que sofra o desgaste de um processo, fora que as delegacias registram tudo sem o menor critério e o problema o judiciário que resolva, aí o cidadão chega todo iludido e mal orientado e qdo o resultado não é o esperado o cidadão culpa o judiciário, a lei é falha e óbvio que quem a cumpre não vai fazer dela perfeita.
ExcluirÉ muito triste saber que neste país as leis se arrastam por tantos anos e ainda saiam com deficiência. O pior é que as autoridades sempre arrumam uma brechinha na lei para trabalhar menos. Leva bem menos tempo pegar os dados de todo mundo e mandar o caso pra justiça, do que tentar entender o que realmente aconteceu. Esse é o nosso Brasil!
ResponderExcluirOla alguem me diz por favor se o tco ė processo pois eu assinei um tco e foi marcada uma audiencia de advertencia quem assinou Um tco fica com Antecedendes criminais?por favor alguem que entende desse assunto me ajude.
ResponderExcluirBrasil.
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