DA
REPRESENTAÇÃO NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Sumário:
1. Breve Intróito – 2. Conceito – 3. Endereçamento da
representação – 4. Da legitimidade para o oferecimento da
representação – 5. Os reflexos da Lei n. 9.099/95 na
representação – 5.1 Da retratabilidade da representação mesmo
após o oferecimento da denúncia – 6. Conclusão – 7.
Referências bibliográficas.
1 – BREVE INTRÓITO
–
A
jurisdição penal, como o poder-dever do Estado de solucionar o
conflito de interesse entre o seu poder de punir e o direito de
liberdade do indivíduo, conforme conceitua o festejado mestre
italiano, Giovanni Leone (in
Trattato
di Diritto Processuale Penale, Editora Dott. Eugenio Jovene, Nápoli,
Itália, 1961, Vol. I, págs. 275 e segs. – `poder de resolver com
decisão motivada o conflito entre o direito punitivo do Estado e o
direito de liberdade do imputado de conformidade com a norma
penal´.), e hodiernamente, como também o poder-dever de dirimir os
conflitos de interesse entre as partes, nos moldes da jurisdição
civil, erigindo com a finalidade máxima de restabelecer a paz
social, através da imposição de penalidade ao infrator da norma
penal, em princípio com um caráter meramente retributivo e
posteriormente com o intuito de ressocializar aquele que a infringe.
Mais
do que isso, a manutenção da ordem e equilíbrio social é a
finalidade da jurisdição.
Seu exercício passa
pela ação penal, caminho hábil ao Estado, através do qual
instaura a segunda fase da persecução, visando alcançar a verdade
real e material, por intermédio de três modalidades de ação: a
penal pública incondicionada, condicionada e privada.
Para aqueles delitos
cujo bem juridicamente tutelado é de interesse direto do Estado,
este se incumbe de manter sua proteção integralmente, sendo
instituída a ação penal pública incondicionada, ou também
conhecida como pura, que segundo lições do mestre René Ariel Dotti
( in
Curso de Direito Penal, Parte Geral, Editora Forense, 1a.
edição, 2001, págs.647), “é aquela que não depende de
requisição ou representação do ofendido para ser proposta”,
decorrente portanto do poder-dever que o Estado detém para punir os
transgressores da norma penal, onde a persecução se inicia
automaticamente com a notícia crime, não dependendo de
representação ou requerimento, bastando à autoridade policial o
conhecimento do delito para dar início a persecução penal. Assim
ocorre, v.g.,
em delitos contra a vida (art. 121 do Código Penal Brasileiro) ,
contra o patrimônio (art. 155 do Código Penal Brasileiro), etc,
onde compete ao Ministério Público a titularidade da ação penal,
sendo ele o dominus
litis.
Ao tratar de bens
tutelados cuja agressão atinja ao Estado secundariamente, pois em
primeiro lugar ofende o indivíduo, havendo uma sobreposição do
interesse deste ao do Estado, depende o início da persecução penal
e posteriormente da ação penal, de, segundo Mirabete (
in Manual
de Direito Penal, Parte Geral, 19a.
edição, Editora Atlas, págs. 372) uma “espécie de
pedido-autorização em que a vítima, seu representante legal ou
curador nomeado para a função expressam o desejo de que a ação
seja instaurada”.
Tal posicionamento é
decorrente do fato de que por vezes a exposição causada com a ação
penal (strepitus
judicii –
escândalo do processo) é mais gravosa para a vítima do que a
inércia, como ocorre nos delitos contra a liberdade sexual, ficando
a critério daquela a representação para dar ao Ministério Público
a condição de procedibilidade necessária para o início da ação
penal, e para autoridade policial a viabilidade para o início da
persecução.
Por fim a ação
penal privada tem por fito fazer a proteção dos bens
personalíssimos do indivíduo (honra, moral, etc.), que somente a
ele interessam, sendo portanto a legitimação ativa para sua
interposição pertencente ao ofendido, excetuada a ação penal
privada subsidiária, onde a omissão do Ministério Público
autoriza o ofendido a propositura da ação penal, embora se tratando
de delitos de ação penal pública condicionada e incondicionada,
nos moldes do artigo 29 do Código de Processo Penal.
Em tais delitos o
bem juridicamente tutelado interessa em primeiro lugar ao ofendido,
que poderá ou não intentar a ação penal para buscar a imposição
de uma pena ao infrator da norma penal. A ele cabe a total
disponibilidade da ação penal.
A nós no momento
interessa a apreciação dos delitos cuja ação penal é pública de
natureza condicionada, os quais tem como condição sine
qua non para
o início da persecução, a representação e suas conseqüências
no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.
2 – CONCEITO –
Segundo Júlio
Fabrini Mirabete (obra citada, pág. 372), a representação é um
pedido-autorização, e citando Alberto Silva Franco, Luiz Carlos
Betanho e Sebastião Oscar Feltrin (in
Código
Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo, editora
Revista dos Tribunais, 1979, Volume 1, pág. 48), diz ser “a
manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal
no sentido de autorizar o Ministério Público a desencadear a
persecução penal”.
Aníbal Bruno (in
Direito
Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1967, p. 239), conceitua a
representação como sendo “não só a anuência do ofendido a que
se proceda à perseguição do fato punível, é o ato expresso de
vontade com que ele (sic) provoca essa perseguição”.
Leciona também René
Ariel Dotti (obra citada, pág. 648), que “a representação é o
ato processual pelo qual o ofendido ou quem tenha qualidade para
representá-lo requer a instauração da ação penal nos crimes de
ação pública condicionada ou impura”.
José Frederico
Marques (in
Curso
de Direito Penal, volume III, editora Saraiva, 1956, pág. 352), diz
ser a representação “uma delatio
criminis
postulatória: quem a formula, não só dá notícia de um crime,
como pede também que se instaure a persecução penal”.
Portanto, é a
representação uma condição de procedibilidade não somente para
ação penal, como também para o início da persecução (inquérito
policial ou termo circunstanciado de ocorrência). Não poderá a
autoridade policial iniciar a investigação sem a autorização, sem
a manifestação expressa do ofendido no sentido de iniciar a
perseguição, a busca da punição de seu ofensor.
É ato despido de
formalismos legais, bastando a mera comunicação do fato à
autoridade policial para demonstrar clara e inequivocamente o
interesse em dar início à persecução penal.
3 – ENDEREÇAMENTO
DA REPRESENTAÇÃO –
A representação
poderá ser endereçada à autoridade policial, ao Ministério
Público ou ao juiz, por escrito ou oralmente, pelo ofendido ou seu
representante legal, ou mesmo através de procurador com poderes
especiais, e ainda feita por termo, devendo em todos os casos
descrever a conduta supostamente criminosa, de forma que possa
auxiliar na apuração do fato e identificação de sua autoria.
Se apresentada
perante a autoridade policial, esta de imediato procederá a
instauração do inquérito policial ou lavratura do termo
circunstanciado de ocorrência, tomando as providências necessárias
em cada caso.
Oferecida perante o
magistrado, este a encaminhará à autoridade policial para que tome
as devidas providências, conforme mencionado anteriormente. No mesmo
sentido, quando formulada perante o representante do Ministério
Público, este também a enviará a autoridade policial para as
devidas providências, e excepcionalmente, diante da existência de
elementos de prova suficientes, poderá oferecer a denúncia se for o
caso, ou mesmo requerer a designação de audiência preliminar nos
casos inerentes aos Juizados Especiais Criminais.
4 – DA
LEGITIMIDADE PARA O OFERECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO –
Segundo a própria
legislação, a titularidade para o oferecimento da representação é
do ofendido ou seu representante legal.
Há portanto uma
dupla titularidade para o oferecimento da representação, não
restando dúvida quanto à legitimação do representante legal do
ofendido quando este for menor de dezesseis anos.
A dúvida existe
quando o ofendido é relativamente incapaz, ou seja, tem mais de 16
(dezesseis) e menos de 18 (dezoito) anos, quando a legitimidade é
concorrente. Temos que considerar aqui, que a alteração da
maioridade civil introduzida pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (artigo 4o.),
trouxe reflexos diretos no Processo Penal, mais precisamente no
artigo 34 da Lei Processual Penal Pátria, que obrigatoriamente teve
derrogada as idades no que diz respeito à capacidade civil para a
representação.
Seria o prazo único
para ambos, ou haveriam dois prazos distintos, autônomos, um para
cada um (ofendido e representante legal)?
Segundo lições de
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (in
Direito
Penal Brasileiro, Parte Geral, 2a.
edição, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, pág.
776):
“A jurisprudência
dividiu-se em duas orientações. Como o código de processo penal
refere-se ao exercício do direito pelo ofendido ou por seu
representante legal (art. 34) e faz depender o direito de queixa ou
representação ao prévio conhecimento da autoria (art. 38), o prazo
deve fluir individualmente, ou, por outras palavras, o prazo
decadencial flui isoladamente para cada um, a contar das datas em que
tiveram conhecimento do fato. Foi o que fixou a Súmula 594 do STF,
coerentemente com a doutrina majoritária: ‘Os direitos de queixa e
representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido
ou por seu representante legal’, e isso leva à conclusão,
parece-nos, de que os prazos são contados separadamente para cada um
deles, a contar da ciência da autoria do fato típico”.
Conclui-se,
portanto, que os prazos são independentes, para o representante
legal e para o ofendido, sempre contados a partir do momento em que
se tem conhecimento de quem é o autor da infração penal, o que
resulta no seguinte efeito prático quanto ao início do cômputo do
prazo decadencial: sendo o ofendido maior de dezesseis e menor de
dezoito anos, se toma conhecimento da autoria da infração penal,
terá a partir de então seis meses para o oferecimento da
representação em desfavor do autor do fato. Não exercida neste
prazo, haverá a ocorrência da decadência e conseqüente extinção
da punibilidade, porém, isso somente ocorrerá se também seu
representante legal tomar conhecimento da autoria simultaneamente. Se
o representante legal desconhece a autoria do delito, o prazo somente
terá início a partir do momento em que for esta conhecida. Tal
posicionamento é rechaçado por Damásio Evangelista de Jesus, em
sua obra Direito Penal, volume I, editora Saraiva, 17a.
edição, 1993, página 617, que entende ser o prazo uno, tanto para
o ofendido, quanto para seu representante legal, pois segundo a
interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal passam a vigorar
dois prazos decadenciais, o que não pode ser aceito.
Há ainda a situação
prevista no artigo 33 do Código de Processo Penal, o qual, descreve
que quando o “ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou
mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante
legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de
queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício
ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para
o processo penal. Na prática nos deparamos com tais situações
principalmente nos casos de violência doméstica, quando um dos pais
excede na correção do filho, causando-lhe lesões corporais leves,
não havendo muitas vezes interesse pelo genitor não agressor no
prosseguimento da persecução penal, fazendo-se necessária a
nomeação de curador especial para atuar na defesa dos interesses do
menor ou mentalmente enfermo, contando-se o prazo decadencial a
partir da nomeação deste para oficiar nos autos, quando então
tomará conhecimento de quem é o autor da infração penal.
5 – OS REFLEXOS DA
LEI N. 9.099/95 NA REPRESENTAÇÃO –
Inúmeras dúvidas
surgiram com o advento da Lei n. 9.099/95, principalmente no que se
refere ao momento adequado para o oferecimento da representação, em
função dos efeitos decorrentes da indicação desse momento para o
cômputo do prazo decadencial.
Segundo o artigo 75
da Lei n. 9.099/95, não havendo composição dos danos civis na
audiência preliminar, será dada a palavra ao ofendido para o
oferecimento da representação, não importando o não oferecimento
desta na audiência em decadência ou mesmo renúncia tácita a esse
direito, que poderá ser exercido dentro do prazo do artigo 103 do
Código Penal Brasileiro, ou seja, dentro do prazo de seis meses
contados do dia em que se soube quem é o autor do crime.
A dúvida persiste
entre alguns operadores do direito, quanto ao dies
a quo do
prazo decadencial, tendo por base o fato de que segundo o artigo 75
da Lei n. 9.099/95, a representação seria oferecida na audiência
preliminar, o que seria uma disposição legal expressa em contrário
ao que está dito no artigo 103 do Código Penal Brasileiro, e de
conseqüência o prazo somente teria seu início na audiência
preliminar.
Porém, não vejo
esta como a melhor e mais adequada interpretação.
A representação
como um ato informal, já é exercida perante a autoridade policial
pelo ofendido, pois sem aquela, esta nada poderá fazer, haja vista
depender do ato de vontade expresso para dar início à persecução
penal, seja através da instauração do Inquérito Policial ou do
Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Manifestada a
vontade do ofendido perante a autoridade policial, subentende-se
oferecida a representação, por não carecer esta de formalismo
legal, bastando a intenção clara no sentido de ver apurada a
infração penal que lhe vitimou.
Pois bem, se
apresentada a representação perante a autoridade policial, a regra
do artigo 75 da Lei n. 9.099/95 ensejaria, segundo o entendimento
abraçado em nosso estudo, a ratificação na audiência preliminar
da representação oferecida, para conferir ao Ministério Público a
condição de procedibilidade para a apresentação de proposta de
transação penal ou mesmo oferecimento de denúncia.
Não é portanto a
audiência preliminar o dies
a quo para
o início do cômputo do prazo decadencial, prevalece a regra do
artigo 103 do Código Penal Brasileiro, inalterada pela Lei n.
9.099/95, que somente conferiu ao ofendido um momento adequado para
ratificar ou não a representação oferecida perante a autoridade
policial, como um plus
a
oportunizar a conciliação em razão de ser esta a coluna vertebral
dos Juizados, possibilitando naquele momento tanto a ratificação
como a retratação da representação, ou mesmo o acordo entre autor
do fato e o ofendido.
Não houve
manifestação expressa no texto legal com o sentido de alterar as
regras do prazo decadencial. A forma de cômputo deste prazo
permanece nos mesmos moldes anteriormente estabelecidos.
O artigo 103 do
Código Penal Brasileiro diz textualmente que “salvo manifestação
expressa em contrário” o prazo decadencial será de seis meses
contados da data em que se veio a saber quem é o autor do crime.
Temos que considerar que a regra somente será modificada com
expressa inclusão de condição destinada a tal fim, como ocorria no
caso do crime de adultério (artigo 240 do Código Penal Brasileiro),
que em seu § 2o
faz havia a menção expressa da alteração do prazo decadencial,
que era de um mês contado a partir do conhecimento do fato. Outro
exemplo de manifestação expressa em contrário, é o contido no
artigo 41, § 1o.,
da Lei n. 5.250, de 09 de dezembro de 1967, que estabelece o prazo
decadencial de três meses contados a partir da data da transmissão
ou publicação do fato gerador do crime de imprensa.
Em tais
circunstâncias especiais e claramente excepcionais, houve alteração
imposta pela Lei nas regras do prazo decadencial. Não podemos dizer
o mesmo quanto ao que se interpreta através do artigo 75 da Lei n.
9.099/95, que não cria qualquer manifestação contrária às regras
já estabelecidas para a decadência.
Na
esteira desse entendimento, encontramos no Primeiro Encontro de
Magistrados de Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, o
Enunciado número 8, que assim dispõe: “É
considerada válida a representação ofertada perante a autoridade
policial, desde que ratificada em juízo”
(http://www.tj.rs.gov.br).
No mesmo sentido, vêm se posicionando as Turmas Julgadoras do
Paraná, que firmaram o Enunciado número 25, com o seguinte teor: “O
início do prazo para o exercício da representação começa a
contar do dia do conhecimento da autoria do fato, observado o
disposto no Código de Processo Penal ou na legislação específica.
Qualquer manifestação da vítima que denote intenção de
representação vale como tal para os fins do art. 88 da Lei
9.099/95”(http://www.tj.pr.gov.br/juizado/pg_Enunciados.htm).
Notamos pelos
Enunciados transcritos, que o prazo decadencial flui a partir da data
que se tomou conhecimento da autoria do delito, prevalecendo o
entendimento de que a manifestação do ofendido ou de seu
representante legal perante a autoridade policial, constitui sim
representação, que poderá ser ou não ratificada em juízo.
Como
efeito prático da interpretação citada, notamos que permanece
resguardado para a vítima o direito de representação, e esta
poderá dispor de seu direito em audiência preliminar, aguardar o
transcurso do prazo decadencial enquanto reflete acerca da
necessidade ou não da futura ação penal/transação penal, ou
mesmo ratificar seu interesse no prosseguimento do feito. No primeiro
caso, nos deparamos com a possibilidade do ofendido se retratar da
representação (artigo 102 do Código Penal Brasileiro), resultando
na extinção da punibilidade do autor do fato por força do art.
107, inciso VI, do Código Penal Brasileiro; no segundo caso, desde
que da data que em o ofendido tomou conhecimento de quem era o autor
da infração penal, até a audiência preliminar, não tenham
transcorrido mais de seis meses, poderá ele aguardar o decurso deste
prazo para a ratificação da representação, quando por vezes
prefere refletir e esperar os novos acontecimentos, para sopesar a
necessidade do prosseguimento do feito; no terceiro momento, havendo
o ofendido ratificado a representação perante o magistrado, em
audiência preliminar, estará legitimando o Ministério Público a
apresentar proposta de transação penal ao autor do fato, desde que
não esteja inserto nas exceções do art. 76, § 2o.
da Lei n. 9.099/95, e no caso de não aceitação da proposta ou
existência de algum impedimento para formulação desta, será
oferecida a denúncia.
5.1 – DA
RETRATABILIDADE DA REPRESENTAÇÃO MESMO APÓS O OFERECIMENTO DA
DENÚNCIA
A regra imposta pelo
artigo 102 do Código Penal Brasileiro e artigo 25 do Código de
Processo Penal é de que após oferecida a denúncia a representação
será irretratável.
Ocorre que, com o
advento da Lei n. 9.099/95, a regra foi mitigada, sofrendo alteração
crucial, pois segundo dispõe o artigo 79 da mencionada Lei, “no
dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento,
se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de
conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público,
proceder-se-á nos termos dos artigos 72, 73, 74 e 75 desta Lei”.
Portanto, se não foi possível na audiência preliminar a tentativa
de conciliação entre autor do fato e ofendido, ainda que já
oferecida a denúncia e designada a audiência de instrução e
julgamento, nesta, deverá ser restabelecida a possibilidade de
conciliação, fazendo prevalecer o caráter consensual da Lei, onde
poderá ocorrer a composição dos danos civis, que tem como
conseqüência, por força do artigo 74, parágrafo único da mesma
Lei, o condão de, com a homologação do acordo, acarretar a
renúncia à representação anteriormente oferecida. Poderá ainda o
ofendido, mesmo sem a reparação dos danos civis, entendendo não
haver mais motivos para o início da ação penal, retratar a
representação oferecida a título de acordo com o denunciado, o que
após homologado acarretará os mesmos efeitos.
Passou a
representação, da imutabilidade após o oferecimento da denúncia,
a total e completa mutabilidade, tornando-se retratável a critério
do ofendido, desde que não tenha sido possibilitada a tentativa de
conciliação em audiência preliminar, por exemplo, pela ausência
do autor do fato.
Também é aceitável
a realização de proposta de transação penal na audiência de
instrução e julgamento, por parte do Representante do Ministério
Público, quando não possibilitada a sua formulação em audiência
preliminar. O que não se pode aceitar, é a renovação de proposta
já feita anteriormente e recusada pelo autor do fato.
Aquilatando
os princípios norteadores dos Juizados Especiais Criminais,
principalmente o conciliador/consensual dito no artigo 2o.
da Lei n. 9.099/95, e buscando guarida na destinação final da
jurisdição penal, que teve seu conceito ampliado também para a
solução do conflito de interesses entre as partes, nos delitos de
ação penal privada e ação penal pública condicionada, e não
mais somente para se dirimir o conflito entre o Poder de punir do
Estado e o direito de liberdade do indivíduo, poderíamos divagar
pelo caminho filosófico e social, e com isso percebermos que ainda
que oferecida a denúncia e tentada a conciliação na audiência
preliminar, não havendo mais interesse da vítima no prosseguimento
da ação penal que se instaura, em nome da paz social e da função
conciliadora dos Juizados Especiais Criminais, valeria a reflexão de
que a instauração da ação penal resultaria no acirramento dos
ânimos entre autor do fato e ofendido que já se acalmaram, em nome
do formalismo sem finalidade e da necessidade cega da imposição de
pena sem qualquer cunho pedagógico.
Se foi restabelecida
a paz social, se as partes chegaram a um consenso, não caberia mais
ao Estado, que através da norma penal dita regras de conduta que se
contrariadas resultam na prática de crime, intervir para imposição
da sanção penal, se aquele que é considerado a vítima primária
entende que o objeto da questão já foi solucionado.
Haveria assim a
possibilidade da ausência de justa causa para a ação penal,
possibilitando ao magistrado a rejeição da peça acusatória, por
faltar interesse legítimo ao Estado para intervir naquela relação
onde o desassossego foi sanado.
José
Frederico Marques (obra citada, pág. 355)
lecionava que de
acordo com o princípio da oportunidade, o Ministério Público “tem
a faculdade, e não o dever ou a obrigação jurídica de propor a
ação penal, quando cometido um fato delituoso. Essa faculdade se
exerce com base em estimativa discricionária da utilidade, sob o
ponto de vista do interesse público, da promoção da ação penal”.
O festejado mestre,
já em tempos pretéritos, vislumbrava que a oportunidade e utilidade
da ação penal, se sobreporiam ao princípio da obrigatoriedade,
permitindo ao representante do Ministério Público, dentro de uma
discricionariedade regrada, deixar de dar início à ação penal, o
que aos poucos vem sendo sedimentado na legislação, encontrando-se
presente atualmente no artigo 37, inciso IV, da Lei n. 10.409, de 11
de janeiro de 2002, que permitiu ao Ministério Público deixar de
dar início à ação penal desde que justificadamente.
Se já se faz
presente tal permissivo na legislação, não haveria porque
deixarmos de considerar a retratação da vítima após o
oferecimento da denúncia, ainda que já tenha sido oportunizada a
conciliação, tanto entre autor do fato e vítima, quanto com o
Ministério Público, embasado na falta de utilidade para o início
da ação penal, que torna-se inoportuna quando se vê restabelecida
a ordem e a paz.
Cita ainda o mestre:
“Na França, como
diz Pierre Bouzat, vigora o ‘système de l’opportunité des
poursuites’. O Ministério Público pode, ali, à sua escolha, usar
ou não usar de ‘son droit de poursuite’. Cabe-lhe deixar de
propor a ação, se isto lhe parecer oportuno e conforme ao interesse
social. Ele possui, assim, acrescenta Bouzat, ‘um discreto direito
de perdão’ que o direito francês ainda não quis outorgar sequer
aos juízes.
O direito norueguês
adotou o princípio da oportunidade com muita amplitude, pois o
artigo 85, do Código de Processo Penal, admite que deixe de ser
apresentada acusação quando entender-se que nenhum interesse
público exija a punição do crime, especialmente quando muito tempo
decorreu da prática do delito e existam circunstâncias especiais de
atenuação”.
Todos os caminhos
tendem a possibilitar a retratação da representação antes do
recebimento da denúncia, quando ainda não há se falar em ação
penal instaurada, havendo somente uma relação linear entre acusação
e juiz.
Poderá
o Ministério Público adotar diante da retratação e solicitação
de arquivamento do procedimento, o caminho da manifestação pela
rejeição da denúncia, embasada no artigo 43, inciso III, do Código
de Processo Penal, por faltar o interesse de agir, combinado com o
artigo 37, inciso IV, da Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002,
aplicado analogicamente aos delitos de menor potencial ofensivo,
considerando que o delito de porte de tóxico foi alcançado por este
conceito, ou ainda, simplesmente manifestar no sentido da
possibilidade da retratação ainda que oferecida a denúncia, nos
termos do artigo 79, combinado com o artigo 2o,
todos da Lei n. 9.099/95, e ainda, com o artigo 107, inciso VI, do
Código Penal Brasileiro, pugnando pela declaração da extinção da
punibilidade.
Antes do recebimento
da denúncia, e portanto da formação da relação processual
triangular, sempre haverá tempo para disponibilidade da ação
penal.
Por certo, a questão
deverá ser amplamente discutida e debatida para chegarmos a um
consenso quanto à verdadeira finalidade da ação penal, e nos
desapegarmos de conceitos pretéritos que ainda insistem em rodear
esse novo momento criado pela Lei n. 9.099/95.
6 – CONCLUSÃO –
De todo o apanhado
acerca da representação, denota-se que por ser uma manifestação
informal, que legitima a autoridade policial, o Ministério Público
ou mesmo o juiz a tomar providência quanto ao pedido de início da
persecução penal, não carece de maiores rigorismo para sua
formulação, sendo legitimados ao seu oferecimento o ofendido ou seu
representante legal.
Como somente através
dela poderá a autoridade policial iniciar a persecução, seja
através da instauração de inquérito policial ou lavratura de
termo circunstanciado de ocorrência, o momento adequado para seu
oferecimento é o da comunicação do fato e autoria, tanto à
autoridade policial quanto ao Ministério Público ou ao juiz,
existindo um segundo momento previsto no artigo 75 da Lei n.
9.099/95, em que haverá ou não a ratificação da representação
em audiência preliminar.
Não
é a audiência preliminar o dies
a quo do início do
cômputo do prazo decadencial para a representação, e sim o momento
do conhecimento da autoria do delito, nos moldes do artigo 103 do
Código Penal Brasileiro, que não sofreu alteração e não houve na
Lei n. 9.099/95 disposição expressa em contrário, como ocorria no
delito do artigo 240 do Código Penal Brasileiro e ainda ocorre com
do descrito no artigo 41, § 1o,
da Lei n. 5.250, de 09 de dezembro de 1967 (Lei de Imprensa).
É
permitida a retração da representação mesmo após o oferecimento
da denúncia, por força do artigo 79 da Lei n. 9.099/95, que aceita
a tentativa de conciliação e transação penal, mesmo após
oferecida a peça acusatória inicial, quando não tenha sido
possível na audiência preliminar.
Não
somente retratável é a representação, como aceitável a
possibilidade de conciliação entre autor do fato e vítima, ainda
que já oferecida a denúncia, e diria mais, mesmo que esta tenha
sido tentada em audiência preliminar, pois tal entendimento se
amolda perfeitamente ao espaço de consenso criado pela nova
legislação.
O
que há de ser considerado é a impossibilidade de concessão de nova
oportunidade de apresentação de proposta de transação penal,
quando já ocorreu em audiência preliminar, ou mesmo sua renovação
na audiência de instrução e julgamento, vez que isto prestigiaria
a malandragem de alguns, que deixando de aceitar a transação na
primeira audiência, ganhariam nova oportunidade e mais tempo para o
cumprimento da medida, desprestigiando aquele que a aceitou na
audiência preliminar.
Por
certo ainda haverá muitas discussões entre os operadores do direito
quanto aos argumentos aqui apresentados, o que cumpre o objetivo de
implementar discussões em busca da dinâmica do direito.
7
– REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -
BRUNO.
Aníbal. Direito
Penal, Rio de Janeiro,
Forense, 1967.
DOTTI,
René Ariel. Curso de
Direito Penal, Parte
Geral, editora Forense, 1a.
edição, 2001.
LEONE,
Giovanni. Trattato di
Diritto Processuale Penale,
Editora Dott. Eugenio Jovene, Nápoli, Itália, volume I, 1961.
MARQUES,
José Frederico. Curso
de Direito Penal,
volume III, editora Saraiva, 1956.
MIRABETE,
Júlio Fabrini. Manual
de Direito Penal,
Parte Geral, 19a.
edição, editora Atlas.
PIERANGELI,
José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl.
Direito Penal
Brasileiro, Parte
Geral, 2a.
edição, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.
LUÍS
EDUARDO BARROS FERREIRA
PROMOTOR
DE JUSTIÇA
MEMBRO
DO MINISTÉRIOÚBLICO DO ESTADO DE PGOIÁS